sábado, 28 de março de 2009

Dois Homens - Notícia Público

"Dois Homens", de José Maria Vieira Mendes, encenação de Carlos Pimenta, em Almada

K. está preso. Fala consigo próprio e com uma audiência que não vê ou ignora, enquanto vai montando com traves e telas as paredes do seu escritório, do seu quarto, da sua prisão.
"Dois Homens" é uma recriação da obra de Kafka feita por José Maria Vieira Mendes. Uma nova produção encenada por Carlos Pimenta está no Teatro Municipal de Almada até dia 5 de Abril. "Não é uma transcrição, é uma reflexão" sobre a obra de Kafka, explica o encenador. Aqui existe "mais de José Maria e menos de Kafka". O dramaturgo pegou em obras como "O Processo" e de contos como "Na Colónia Penal", "O Abutre" e "Um Artista da Fome" e cruza as diversas narrativas em palco num monólogo. Ou, como Carlos Pimenta explica, um dialogo feito por uma única personagem.
"Dois Homens" estreou em 1998 pelos Artistas Unidos, numa produção encenada por José Maria Vieira Mendes e por Luís Gaspar, com Luís Gaspar como intérprete. Na nova produção tentou-se "pegar na peça com uma outra leitura" e "criar um pouco de memória sobre o texto. Mostrar como o texto se mantém mas pode ser sujeito a várias leituras", diz o encenador. Quis-se observar, 10 anos depois, "como é que quem viu os dois espectáculos acabava por ver as diferenças entre eles".
A nova encenação introduz algumas mudanças na acção da peça e alguns dispositivos cénicos. A produção optou também por fazer um cruzamento de "Dois Homens" com "A Última Gravação de Krapp" de Samuel Beckett, ao retirar os apartes que K. faz durante o seu discurso e colocá-los numa gravação, um pouco como Krapp faz durante a peça de Beckett.
E K. (Ivo Alexandre) vai construindo paredes à volta do seu escritório e isola-se do público. É "alguém que se vai afastando do mundo e que se fecha sobre si mesmo, como Kafka fazia. Tem a ver com a ideia de casulo e de aguentar o seu próprio sofrimento. Kafka fazia isto com a literatura", diz o encenador. "Também parte da ideia de subordinação. De termos sempre de responder a alguém e de não nascermos livres", continua. O que justifica o seu isolamento. "Ele fecha-se porque assim não tem de responder a ninguém. Fechado fica mais livre", mas é um dispositivo cénico que torna complicada a interpretação para o actor.
"Normalmente nos monólogos existe alguma interacção com o público. Nesta peça temos uma personagem que é indiferente ao que o rodeia. E isso constitui um desafio. Normalmente há mais defesas para o actor", diz Ivo Alexandre, que interpreta K. na peça.

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