Ensemble - Sociedade de Actores estreia-se em Henrik Ibsen com "A Dama do Mar" no Teatro Carlos Alberto
Uma dama com a alma na boca
O encenador Carlos Pimenta escolheu: Henrik Ibsen, "A Dama do Mar", Emília Silvestre e o Ensemble - Sociedade de Actores. Ibsen escolheu o essencial, Ellida a verdade e Wangel (Jorge Pinto) a aprendizagem. É o mergulho profundo nas almas que nos questiona sobre o que está escondido no fundo de nós, até 25 de Maio no Teatro Carlos Alberto.Ana Sofia Rosado"Quase fizemos duas versões da mesma peça: o jogo social tal como ele é enunciado e o desmontar desse mesmo jogo encarando a verdade das coisas", avança Carlos Pimenta, o encenador de "A Dama do Mar", no palco do Teatro Carlos Alberto, no Porto, até 25 de Maio. Quando Henrik Ibsen aborda o não dito, aquilo que está por detrás do texto, no fundo, a verdade escondida, Carlos Pimenta detecta uma fascinante geografia das relações e apaixona-se pela ruptura operada nessa construção social metafórica. "Aqui tudo é dito, nada está escondido. Tudo é racionalmente encarado e experimentado - é este o aspecto mais fascinante da escrita de Ibsen. Essa possibilidade sempre enunciada: nós colocamos uma pedra sobre o assunto e Ibsen investiga o que estamos a esconder", avisa sobre esta peça de 1888 pouco representada nos palcos nacionais.Wangel é um homem ligado a uma mulher, Ellida, ligados a um sistema e à necessidade de sair desse sistema. Está em causa a determinação do futuro próprio, num jogo que se reformula constantemente.No jogo do palco exige-se honestidade ao actor para com a sua personagem, mas Ellida não ampara Emília Silvestre. "Sinto-me a andar ao sabor do que ela vai descobrindo, caminho com a sua descoberta e evolução", diz dessa mulher que no fim da peça já não é a mesma. "Eu própria me surpreendo com o que ela diz. Esta honestidade é rara hoje em dia: termos a alma na boca. A partir de certa altura, ela diz tudo e o que ela diz é a verdade", confessa, com fascínio."O médico enferma desse mesmo mal que é a honestidade", aponta Jorge Pinto sobre a capacidade de aprendizagem de Wangel. "As pessoas ficam felizes por exercer aquilo que aprenderam, mas estamos a alterar este conceito em relação aos nossos filhos: hoje ensinamo-los a aprender permanentemente. Wangel faz uso das suas capacidades por força desta mulher e vai confessando que já não lhe chega aquilo que sabe. No limite, percebe que passar a responsabilidade da escolha - precisamente para a pessoa que sempre se mostra irresponsável - é a única solução para ambos", descreve o actor. Em causa está, para Jorge Pinto, a própria evolução, caso não se libertem dos condicionalismos, e é preciso depurar as diferenças culturais até que nos detenhamos apenas nas diferenças reais."A Dama do Mar" está construída para um desequilíbrio que culmina numa decisão. Entre o sim e o não, Ellida não pode recorrer ao meio-termo. Ao criar um espectáculo aberto, Carlos Pimenta apela à tomada de partido do público. "O meu objectivo é transportar qualquer texto, Shakespeare ou Racine, para os dias de hoje e perguntar o que é que as pessoas de hoje têm a ver com isto, neste caso com Ibsen", afirma. Nos dois meses de ensaios do texto de 1888, desafiou Carlos Pimenta: "Admitam que este texto foi escrito ontem". Porque é completamente verosímil e todas as suas questões ainda hoje se colocam. "Não me interessa nada fazer arqueologia teatral", avisa. O encenador já só tem vontade de voltar a Ibsen e talvez "Os Pilares da Comunidade" (1877) seja o próximo projecto. Carlos Pimenta está particularmente interessado na reacção do público, porque se trata, a seu ver, de "um Ibsen especial". Acalenta grandes expectativas em relação a qualquer espectáculo, mas neste são particularmente altas pelo risco assumido. Porque há mais vida para além dos ensaios, o encenador ia dizendo: "Benzinho, já sabemos fazer, agora vamos complicar e ver do que ainda não somos capazes". Enunciaram e foram à procura. Quando Carlos Pimenta abraça uma peça pensa que é sempre a última vez e por isso dá tudo por tudo - "não vale a pena deixar nada para amanhã". Confrontado com o privilégio do palco, une-se ao elenco num compromisso intenso de duas horas e vinte minutos. "Vamos dar o máximo, por isso as nossas expectativas são tão elevadas", responde o encenador ao público que optar por embarcar numa viagem com desconhecidos em sala escura. Nas profundezas de um marO percurso da Ensemble - Sociedade de Actores tem trilhado os autores clássicos. Não se trata de actualizar o texto, alerta Jorge Pinto: "As peças do tabuleiro são as mesmas, mas o jogo é da Ensemble". Quando Carlos Pimenta procurou a Ensemble, o elenco mergulhou n'"A Dama do Mar", de Henrik Ibsen, traduzida por Pedro Fernandes, não com o pensamento da época do autor, mas num contexto social contemporâneo. Com cenografia de João Mendes Ribeiro, figurinos de Bernardo Monteiro e desenho de luz de José Álvaro Correia, a produção da Ensemble conta ainda com as interpretações de Alexandra Gabriel (Bolette), Isabel Queirós (Hilde), Paulo Moura Lopes (Professor Arnholm), António Durães (Um Estranho), Luís Araújo (Lyngstrand) e Ivo Alexandre (Ballested). Fica o aviso de Michel Vinaver: "As pessoas fazem tudo o se quiser excepto sondar nas profundezas de si mesmas, como acontece com as personagens de Ibsen".
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