sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Senhora de Sade - notícia Time Out


A Senhora de Sade CCB (garagem)

No meio dos carros, debaixo de terra, faz-se uma peça de teatro. É ali, junto ao estacionamento 272 e 273: por cima da passadeira amarela, seis actrizes dão vida a A Senhora de Sade, a peça escrita por Yukio Mishima (1925-1970) que esta sexta-feira se estreia na garagem do Centro Cultural de Belém. Isso mesmo, na garagem. No meio dos carros, debaixo de terra.
A estreia está inserida no Ciclo Mishima, que o CCB organiza até 14 de Dezembro em homenagem ao escritor japonês. E pode dizer-se que esta é uma peça em que a personagem principal nunca chega a aparecer. Porque a personagem principal é o Marquês de Sade (1740-1814) e A Senhora de Sade é só mulheres. Ou melhor, é a história de como seis mulheres vêem o marquês, escritor e aristocrata francês que acabou internado num hospício e preso por causa das obras onde defendia o prazer sexual (orgias e dor incluídas, e daí o termo que viria a nascer a partir do seu nome, o sadismo).
A esposa (Marta Furtado) que participava nas orgias do castelo e manifestou o seu apoio a Sade enquanto este esteve preso; a sogra (Cucha Carvalheiro); a irmã da mulher (Maria João Falcão); a criada (Joana Brandão); a baronesa (Luísa Cruz) e a condessa (Lucinda Loureiro) – são as seis que definem o marquês. “Esse mecanismo da peça é interessante tratando-se de Sade”, diz Carlos Pimenta, responsável pela encenação, “porque ele é um autor indefinido que tem sido apropriado ao longo do tempo consoante aquilo que se vai descobrindo, e é uma personagem difícil de classificar, da qual nem se conhece o retrato.”
A estrutura da peça está assente nos diálogos e confrontos, porque a visão destas seis mulheres não coincide. Por trás de cada confronto e situação, uma grande oposição: “a contradição entre natureza e moral”, resume o encenador. A rosa e a serpente de que falará Renée, a marquesa de Sade. Para não se tomarem posições, a plateia fica dos dois lados, rodeando as actrizes e a passadeira de peões amarela. O que nos leva de volta à garagem, e à pergunta: porquê fazer uma peça de teatro numa garagem?
Carlos Pimenta responde: “Mishima escreveu um texto onde exprime o fascínio pelo clássico francês. É um texto que se passa nos grandes salões, no século XVIII. A escolha da garagem tem a ver com uma preocupação minha e do Daniel Blaufuks [responsável pelo espaço cénico] de colocar a peça num espaço contemporâneo.” Continua o encenador: “O que me interessa fazer com os textos clássicos é sempre uma leitura contemporânea. Nesse sentido, a garagem permite deslocalizar o texto de um sítio convencional, ao mesmo tempo que se aproveitam outras características do espaço.”
Há cenas que se passam em carros. Ao fundo, as projecções de Daniel Blaufuks mostram imagens de salões, jardins, lustres. Imagens que contextualizam as cenas da peça, mas “que sublinham uma contradição com o espaço asséptico da garagem.” Um outro confronto.
Ana Dias Ferreira
terça-feira, 18 de Novembro de 2008

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