quarta-feira, 7 de abril de 2010





O teatro é a experiência do público
in extremis, in situ, in corpore

A única vida da performance está no presente. A performance não pode ser guardada, gravada,
documentada ou participar na circulação de representações de representações. À medida que a performance procura entrar na economia da reprodutibilidade trai e diminui a expectativa da
sua própria ontologia. […] A performance implica o real através da presença de corpos vivos. Requer empenhamento. Mergulha na possibilidade e desaparece na memória devido à não existência de cópia. Oferece a possibilidade de reapreciar esse vazio.
Peggy Phelan – The Ontology of Performance.


Alguém Olhará por Mim fala‑nos de homens em situações‑limite. Nenhum de nós terá passado quatro anos em cativeiro. Por isso mesmo, movidos pela curiosidade, vimos a este lugar munidos de uma procuração que passamos aos actores na expectativa que nos transportem para um tempo e um lugar que desconhecemos. Sabemos, à partida, que o teatro habita o terreno das ficções e que este espaço que partilhamos nada mais é que um dispositivo que as torna possíveis.
Afinal, mesmo não se parecendo com umasala de teatro, tudo isto não passa de um
artifício. Estamos aqui, com outros que também vieram, e entregamo‑nos ao que os actores nos dizem. Aquilo que nos impõem pode incomodar‑nos. Mas não nos sentimos constrangidos na nossa liberdade. É só no seu exercício pleno que sentimos prazer. Conseguimos, apesar de tudo, estar sozinhos: os filósofos antigos ensinam‑nos que a felicidade completa é aquela que se cumpre no exercício solitário do pensamento. O teatro é uma arte da convenção e a sua percepção valida‑se no (re)conhecimento, por parte do público, dos códigos que a enformam. Mas será que pelo facto de sairmos da sala convencional estaremos a alterar a relação actor/espectador? Justificará isto o redimensionamento da posição daquele que observa edaquele que dá a ver? Pouco importando o lugar, aquilo que acontece no teatro é a “suspensão da vida”. Através desse exercício, o teatro permite dá‑la a ver num corte sincrónico em que aquele que age e aquele que observa coabitam um mesmo tempo e um mesmo espaço. Tornam‑se,assim, cúmplices numa relação que mais não é do que a do reconhecimento do corpo e do tempo do outro.
O teatro era (é!) o lugar onde as pessoas se encontravam para jogar e, tal como em qualquer jogo, obedece a um conjunto de regras que torna viável a assimilação de um determinado padrão. Mas é sobretudo no permanente jogo tensional com a sua estática aceitação que o teatro tem resistido à sua redução enquanto arte de outros tempos. Ele reflecte‑se – como possibilidade única de sobrevivência – nas mudanças experimentadas pelo Homem, consciente de que ao negá‑las morreria enquanto arte. O pior que o teatro pode fazer a si próprio é reclamar‑se de um tempo que já não é deste tempo.
Talvez o seu inesperado vigor advenha, precisamente, da sua condição de arte viva e efémera incapaz de se fixar na certeza de um tempo que ocorre, e o “indecifrável” discurso que produz não seja mais do que discurso em constante mutação – característica tão determinante da nossa contemporaneidade provisória. Daí lhe reconhecermos (e ainda bem) recorrentes sinais de crise. Como nos diz Agamben, “contemporâneo é aquele que fixa o olhar sobre o seu tempo para perceber não as luzes, mas a obscuridade”. •


Carlos Pimenta
27 de Março de 2010 (talvez por ser Dia Mundial do Teatro)

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