terça-feira, 6 de julho de 2010

Antígono - em Janeiro de 2011 no CCB






CCB – 21/22 Janeiro 2011 Sexta/Sábado . Grande Auditório 21h
Estreia moderna mundial
Antígono
Ópera em três actos de Antonio Mazzoni com libreto de Pietro Metastasio (1755)

Enrico Onofri direcção musical
Carlos Pimenta direcção cénica
António Jorge Gonçalves desenho digital em tempo real
José António Tenente figurinos
Nuno Meira desenho de luz
Nicholas McNair reconstrução da partitura, edição crítica


Michael Spyres Antigono
Sonya Ioncheva Berenice
Pamela Lucciarini Demetrio
Martín Oro Alessandro
Ana Quintans Ismene
Maria Hinojosa Montenegro Clearco

Orquestra Divino Sospiro

Antígono (1755) de Antonio Mazzoni foi a última ópera estreada em Lisboa antes do terramoto de 1755. A malograda Casa da Ópera do Paço da Ribeira – inaugurada em Março de 1755 e destruída poucos meses depois, com o terramoto de 1 de Novembro – foi provavelmente o único espaço que assistiu à interpretação desta ópera. Terceira e última produção da efémera Ópera do Tejo (como passou a ser conhecida), é igulamente uma das poucas composições sobreviventes de Antonio Mazzoni. O libretto de Antigono, da autoria de Pietro Metastasio, foi um dos preferidos pelos compositores desta época, como Gluck, Hasse ou Piccinni. A partitura de Mazzoni, que regressa agora com o Divino Sospiro, sofreu um trabalho de edição crítica da responsabilidade de Nicholas McNair.



“Se a ideia de imperfeição está associada à etimologia de barroco, dela nos apropriamos para estabelecermos o nosso conceito de esboço para uma obra. Esta partitura e este libreto surgem-nos – mais de 250 anos depois – resgatados do encobrimento que as ruínas do Grande Terramoto pareciam ter determinado. Esta é uma ópera sem memória. Queremos recuperá-la do esquecimento, tentando adivinhar as linhas que davam forma ao espaço físico e sentimental que lhe proporcionou efémero esplendor. Na glória do barroco o tempo transforma-se em eternidade. O hiato temporal a que a natureza condenou Antígono foi imerecido castigo. Não é, contudo, a arqueologia que nos move. No século XXI, o nosso barroco só poderá ser um barroco digital
Carlos Pimenta

InternacionalizArte


Obscena – Revista de artes performativas
#24 – Julho/Agosto 2010
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Opinião
por Carlos Pimenta

InternacionalizArte
-transacções, exportações e algumas mistificações –

Fotografia
A recente publicação, pelo Observatório das Actividades Culturais, do estudo “Mobilidade Internacional de Artistas e outros Profissionais da Cultura” veio suscitar alguma (pouca!) intervenção pública sobre esta matéria. O estudo destaca a fraca mobilidade internacional dos artistas e agentes culturais e o défice de informação sobre as oportunidades relativas a este aspecto da sua actividade. Tendo sido, entre 2006 e 2009, consultor do Instituto Camões para a área das artes performativas, com funções específicas no domínio do lançamento e execução do Programa de Apoio à Internacionalização, considero pertinente complementar os resultados do estudo com algumas informações e dados decorrentes da experiência proporcionada pelo acompanhamento do Programa. O Programa de Apoios, implantado pela então Presidente Simonettta Luz Afonso, procurava regulamentar e calendarizar a intervenção do Instituto nesta área e, fundamentalmente, dar resposta às iniciativas desenvolvidas pelos artistas e organizações culturais privadas, possibilitando a apresentação internacional da arte e da cultura portuguesa em áreas tão diversificadas como a arquitectura, teatro, dança, cinema, design, projectos transdisciplinares, artes visuais, etc. Procurava-se, também, alterar a imagem da instituição que passou a assumir com clareza o papel determinante da arte e da cultura na promoção e ensino da língua no estrangeiro.
O Programa orientava-se, essencialmente, para o apoio a privados complementando, também, a actividade e iniciativa que o próprio Instituto desenvolvia através da sua rede mundial de Centros Culturais e Leitorados. De realçar, que os financiamentos atribuídos nunca se destinaram à actividade própria do Instituto, embora os projectos e iniciativas decorressem em articulação estreita com os diversos organismos constitutivos da rede internacional de que dispõe.
Ao contrário daquilo que o senso comum considera como dominante na área da internacionalização (uma forte dependência do Estado enquanto promotor das iniciativas) foi surpreendente verificar a capacidade de acção de artistas e organizações no que respeita à implantação dos seus projectos nos diversos contextos internacionais. Assim, ao longo de quatro anos, foram apresentadas ao Programa de Apoios 900 candidaturas, tendo sido apoiadas cerca de 1/3 desse universo global. O maior número de apoios verificou-se nas áreas do teatro, dança, artes visuais, música, cinema e projectos transdisciplinares. Em termos geográficos, Espanha, França, Brasil, EUA, Itália, Reino Unido, Alemanha e Polónia, foram os países que mais projectos viram apoiados no âmbito do Programa (refira-se a este propósito que as entidades estrangeiras que apresentassem iniciativas no contexto da cultura portuguesa também poderiam submeter candidaturas).
Importa destacar o facto do Programa de Apoio à Internacionalização ter sido o único, no contexto das instituições oficiais nacionais, que funcionou ininterruptamente ao longo de quatro anos contribuindo, desta forma, para o estabelecimento de uma efectiva base de confiança entre os artistas e a instituição. Os bons resultados do Programa devem-se, essencialmente, ao facto deste estar desenhado para dar resposta às necessidades dos artistas e suas organizações, respeitando a sua liberdade de escolha e apoiando financeiramente algumas das áreas que as suas contratualizações com as organizações internacionais não cobriam – sobretudo no que dizia respeito a deslocações.
As instituições públicas devem resistir à tentação de querer fazer aquilo que cabe às organizações culturais. Estas, melhor conhecedoras do terreno, são capazes de fazer melhor, com menos desperdício de meios e com mais eficácia. Aos organismos públicos caberá apoiar financeira e institucionalmente as iniciativas resultantes do vigor do meio profissional potenciando, com a abertura de canais oficiais e diplomáticos, o trabalho desenvolvido pelos privados. É certo que muitos organismos oficiais procuram afirmar a sua própria visibilidade através da promoção de iniciativa própria legitimando, desta forma, o reconhecimento público dos contribuintes (e dos eleitores!) quanto á sua acção e quanto à sua própria existência e necessidade. Nada de mais contraproducente para o desenvolvimento artístico. A Administração é meio e não fim. Deverá, pois, e sobretudo, concentrar a sua atenção e esforço na necessária adaptação às novas realidades conjunturais, vencendo alguma inércia e formalismo ainda persistentes, tornando-se mais ágil e optimizando a sua capacidade de leitura das transformações que ocorrem no sector artístico para que possa dar respostas mais eficazes às solicitações de um sistema em mutação constante.

Exportação, difusão, mobilidade

Não é possível encarar a internacionalização da arte e da cultura na mera perspectiva da “exportação” – conceito mais adequado ao contexto mercantilista, no qual a arte e a cultura não encontram uma correspondência plena na generalidade dos pressupostos. Assim, a presença da arte e da cultura portuguesa nos diversos circuitos internacionais de difusão deve ser perspectivada no contexto normal da mobilidade e não, como outrora foi encarado, no da prevalência e dominância cultural que presidiu a alguns colonialismos e instrumentalismos que serviam objectivos meramente geopolíticos. A tendência para a instrumentalização da cultura é bem visível no mais recente filme de João Canijo “Fantasia Lusitana” que, ao contrário daquilo que muitos podem pensar – afirmar-se como um documentário sobre o Portugal dos anos 40 do século passado – constitui-se como um inteligente e subtil retrato vivo de algumas situações que ainda experimentamos no presente.
Nos dias de hoje, as teorias relativas ao chamado “soft power” procuram revivificar o papel da arte e da cultura no âmbito de uma neo-instrumentalização que lhes será prejudicial e à qual os artistas e agentes culturais se devem opor.
As novas gerações de artistas encaram a apresentação dos seus projectos no contexto internacional como algo de absolutamente normal no âmbito da sua actividade – resultado de um cosmopolitismo que até há alguns anos era menos evidente na nossa sociedade. A circulação internacional dos artistas e das suas obras verifica-se, felizmente, independentemente das fronteiras físicas ou ideológicas e a sua limitação é, regra geral, um sinal inequívoco de constrangimentos de natureza política ou cultural que já não aceitamos nas sociedades contemporâneas cada vez mais abertas e universalistas. Contudo, se essa abertura internacional se procura estimular nas áreas comerciais, no que respeita à arte e à cultura ela sempre se verificou. A arte e a cultura são áreas fortemente caracterizadas pela transnacionalidade. Já em 2008 o relatório do ERICarts sobre a mobilidade dos artistas na UE realçava que essa mobilidade “constitui um aspecto que faz parte integrante da actividade profissional normal dos artistas e dos outros profissionais da cultura”.

A cultura como investimento

Poderá perguntar-se: mas, não estando a arte e a cultura excluídas do tecido económico, não deverão estas ser capazes de gerar os recursos suficientes para o seu desenvolvimento? Existiu, durante demasiados anos, na opinião pública, a ideia de que a cultura era um autêntico sorvedouro de dinheiros públicos. Felizmente essa ideia caiu por terra quando, com cada vez mais frequência - porque a “crise” tornou impossível o seu encobrimento - vieram a público notícias de avultadíssimas injecções de capital (do nosso capital!) para salvar alguns sectores da economia que, afinal, em nada estavam a contribuir para o desenvolvimento económico. Se comparadas com as verbas agora atribuídas ao chamado “sector produtivo” e ao sector financeiro, as que têm sido disponibilizadas para o desenvolvimento cultural podem definir-se numa palavra: irrisórias. Contudo, podemos considerar que essas verbas têm sido aproveitadas pelos artistas com grande eficácia. O reconhecimento internacional, ao contrário do que se verifica em muitos outros sectores, está comprovado. Talvez, por isso, nos reste, no meio de tanta desgraça, o prazer da afirmação cultural através da presença da nossa arte e da nossa cultura nos contextos geográficos mais insuspeitos e diversificados. Apesar de tudo, devemos estar conscientes da nossa dimensão enquanto país. O nosso problema é, também, um problema de escala. No que diz respeito à cultura, essa noção de escala tem sido superada e isso acarreta uma maior exigência e uma maior responsabilidade no que respeita à manutenção deste nosso relativo sobredimensionamento face às expectativas exigíveis. No entanto, o desenvolvimento de qualquer política cultural neste sector só poderá ser feito com a conjugação de boas ideias, bons projectos, boas equipas e orçamentos adequados garantindo, obviamente, a sua aplicação sem desperdício e com a máxima eficácia. Quando a ideia de recurso ao mecenato já não vinga como alternativa lançada aos agentes artísticos para mitigar a insuficiente disponibilidade de verbas do OE procura-se, muitas vezes, propalar a auto sustentabilidade da arte e da cultura - como se o recurso à sua “exportação” fosse a panaceia para toda a insuficiência orçamental que o sector tem atravessado (situação, aliás, já reconhecida publicamente pelo actual Primeiro-Ministro).
As dúvidas relativas ao real valor em termos económicos da cultura prendem-se, sobretudo, com a mensuração dos seus ganhos que, não sendo muitas vezes imediatos, são de contabilização mais complexa e, por isso mesmo, negligenciados no ‘deve e haver’ tão característico da nossa – agora – tão imediata necessidade de captação de recursos externos. Descoberto, recentemente, por alguns, o potencial económico da cultura, o primeiro impulso é o da sua rendibilização acelerada. No entanto, uma visão demasiado mercantil deste sector - com características tão específicas – pode contribuir para a sua descaracterização e para a sua transformação em mais uma mercadoria que contribua para o equilíbrio do défice externo: ultimamente temos vivido (continuaremos a viver?) num projecto de sociedade meramente aritmética e não num projecto de sociedade humanista que potencie um desenvolvimento integral. A este respeito, parece-me da maior prudência desmistificar algumas “teorizações” que procuram englobar as artes performativas no conceito genérico de “indústria cultural”. Mais uma vez se procura, com esta falsa possibilidade de pertença, um caminho que passe pela auto-sustentabilidade das mesmas com a agravante, neste caso, de uma completa ignorância do significado do conceito proposto por Adorno e Horkheimer.
Talvez seja oportuno questionar o “encantamento” que nalguns tem provocado a noção de “indústria cultural”. Recordem-se, a este propósito, as palavras de Lipovetsky e Serroy na sua mais recente publicação A cultura-mundo. Resposta a uma sociedade desorientada.
“ a lógica que rege as indústrias culturais é uma lógica de diversificação e de renovação permanentes, uma lógica de novidade e de obsolescência acelerada. Um filme afasta o outro, uma vedeta toma o lugar de outra, um disco substitui o precedente. O temporário é a lei, tanto estética como económica, da cultura de massas, acompanhando estruturalmente o mundo moderno da velocidade e da inovação permanente”
Nada tenho a opor à aposta no desenvolvimento das indústrias culturais importa, contudo, tornar claros os sectores que estas englobam e a especificidade de cada um deles. Caso contrário, estaremos a condenar definitivamente a uma perspectiva de ordem meramente económica áreas determinantes para o desenvolvimento e coesão social como o património, as redes museológicas, o teatro, a dança ou a música ao vivo, e, claro, tudo aquilo a que ainda chamamos arte.

O desinvestimento como cultura

Hoje em dia, o desinvestimento na cultura vai-se justificando com a famigerada crise. Se, por um lado, ela se reflecte nas cativações e no chamado “esforço de equilíbrio orçamental” parece, por outro lado, não existir nos apoios ao sector financeiro que o Estado Português tem disponibilizado. A crise, afinal, é um espelho de dupla face. E, na conjugação das duas, se percebe que o financiamento da actividade cultural não é prioridade.
Embora os diversos ministros da cultura reconheçam (à excepção do anterior) as insuficientes verbas colocadas à disposição dos seus ministérios, é certo que, recordando Manuel Maria Carrilho “a cultura ainda não está no coração da política”. Para superar as dificuldades orçamentais do sector cultural pede-se aos artistas e às organizações e gestores culturais, que sejam inventivos. Para mitigar os erros de gestão no sector bancário, disponibiliza-se capital. Para a generalidade dos políticos os apoios à cultura são da “ordem do discurso” mas os apoios ao sector bancário são da “ordem de pagamento”.


Conclusão

Embora por vezes exista, esporádica e sectorialmente, uma tímida vontade de articulação entre os diversos ministérios responsáveis pela determinação de políticas relativas à internacionalização (Cultura, Negócios Estrangeiros, Economia) não é de esperar, no curto prazo, que essa articulação se efective de uma forma substancial capaz de gerar verdadeiras sinergias que conduzam o sector a um maior desenvolvimento. A inércia funcional que algumas instituições ainda encerram será, sem dúvida, um obstáculo à articulação de projectos conjuntos virados para uma real potenciação das actividades dos diversos agentes culturais. Caberá, talvez, aos artistas e às suas organizações assumir essa liderança reclamando do Estado o cumprimento do seu papel enquanto entidade financiadora. E daqui não virá nenhum mal: é esse um dos papéis do Estado. Nem tão pouco há que interiorizar qualquer complexo de menoridade: basta substituir o estigmatizado “subsídio” por “incentivo” e logo vemos que é essa a prática generalizada em quase todas as áreas da nossa actividade empresarial. A tão propalada importância económica da cultura veio, afinal, justificar que esta seja cada vez mais apoiada. Por isso, há que inverter a ordem do discurso. O sector cultural faz, agora, assumidamente, parte da economia e sendo um dos sectores económicos com maior potencial de crescimento, justifica-se que esse crescimento seja incentivado.

Carlos Pimenta – Encenador e actor – foi consultor do Instituto Camões para a área das artes performativas entre 2006 e 2009.