Nada do que vive pode viver sozinho
Dois homens encontram-se num parque à beira de um lago. Falam sobre patos. No entanto, nenhum deles sabe grande coisa acerca de patos. Especulando sobre os hábitos dos patos, a conversa deriva para temas como a amizade, a condição humana, o medo da solidão e a morte. Na divagação metafísica que entre si estabelecem, o mundo e a experiência de vida de ambos emergem.
Usam a metáfora como via possível para a manutenção da conversa. Ao falar de patos sublimam, deste modo, uma ideia de liberdade. A fala permite-lhes expor, ainda que indirectamente, as suas pequenas tragédias íntimas. Constitui-se, no seu processo de tentativa e erro, como um ensaio para a probabilidade da comunicação.
Os dois homens, habitantes respeitáveis da grande cidade, são-nos aqui apresentados no condicionamento que a ordem e a regulação social lhes impõe. A observação da organização e harmonia da natureza, na sua “natural simplicidade”, evidenciam-nos um desejo – e também uma impossibilidade – de modus vivendi incompatível com o homem gregário. Enquanto animal social, o homem constrói o seu próprio sistema de vigilância que se configura como constrangedor da sua expressão privada ou colectiva: é criador do seu próprio labirinto.
O relacionamento com o outro impõe regras e restrições cujo rompimento determina a punição. Essa punição corporiza, no seu grau mais adverso, a privação da liberdade.
O parque e o lago metaforizam, assim, nesta peça de Mamet, uma espécie de Zoo da natureza (e da vida!), uma liberdade condicionada.
Cada vez que penso em coisas selvagens que voam.
Se, numa grande cidade como a nossa…
Nós pudéssemos…
Patos.
Patos. Voando livremente.
Livremente. Sobre as fronteiras.
Sem se preocuparem. Sem pararem.
Sem pararem por causa dos homens.
(Décima Segunda Variação)
Apesar de tudo, esta é uma peça simples… como a vida. Dois homens, encontram-se com o seu reflexo na superfície tranquila das águas de um lago “observando-se um ao outro, cada um a fazer o que pode para que a terra continue a girar por mais um dia”.
Mas, será isto a vida? Só isto?
Repare: deixa-se cair uma pedra num lago. As pequenas ondas que se formam, vão até sabe-se lá onde…
(Quinta Variação)
Pois é! Com a vida… acontece precisamente a mesma coisa!
Carlos Pimenta, Fevereiro de 2008